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E não as chame de “mulheres”* compositoras

Pauline Oliveros, 13 de setembro de 1970
tradução de Ariane Stolfi, 13 de dezembro de 2016

Porque não existem “grandes” compositoras mulheres? A questão é frequentemente feita. A resposta não é um mistério. No passado, talento, educação, habilidade, interesse, motivação eram irrelevantes porque ser mulher era uma qualificação unicamente para trabalho doméstico e para uma contínua obediência e dependência dos homens.

Hoje em dia isso não é menos verdade. As mulheres têm sido ensinadas a desprezar as atividades fora do âmbito doméstico considerando-as não-femininas, assim como os homens têm sido ensinados a desprezar as tarefas domésticas. Para o homem, independência, mobilidade e ação criativa são imperativas. A sociedade tem perpetuado uma atmosfera não natural que encoraja distorções como a palavra “menina” ser usada como um palavrão por garotos de 9 ou 10 anos. Desde a infância garotos são enrolados em cobertores azuis e constantemente direcionados contra o que é considerado atividade feminina. Que tipo de auto-imagem as meninas novas podem ter, dessa forma, com metade de seus pares lhes desprezando por terem sido desencorajadas das chamadas atividades masculinas e enroladas em mantas cor de rosa?

A distorção continua quando a puberdade chega e os garotos se voltam às garotas como objetos sexuais mas sem compreender como se relacionar com elas em outros níveis importantes. Pense na taxa de divórcios! Não importam quais sejam suas realizações, quando chega a hora, é esperado que a mulher ceda, se dedique aos seus deveres femininos e obedientemente siga seu marido onde quer que seus esforços ou inclinações o leve – não importando o quão prejudicial possa ser para ela mesma.

Um compositor bastante renomado tem uma esposa que também é uma compositora competente. Eles viajam juntos extensivamente e frequentemente retornam aos mesmos lugares para performances dos trabalhos dele. Ela raramente é, se é que foi alguma vez, solicitada pelo seu próprio trabalho e ninguém parece ver nada de errado em ignorar constantemente a produção dela e ao mesmo tempo procurar continuamente pelo trabalho de seu marido.

Muitos críticos e professores não conseguem se referir a mulheres que também são compositoras sem usar linguagem fofa ou condescendente. Ela é uma “mulher compositora”. Corretamente, esta expressão é um anátema para várias  para várias compositoras mulheres respeitadas. Isso efetivamente separa os esforços das mulheres do mainstream. De acordo com o Dicionário da Gíria Americana, “mulher” usada em tal contexto é quase insultante ou sarcástico. O que os críticos de hoje diriam de um “homem compositor?”

Ainda é verdade que, a não ser que ela seja super-excelente, a mulher na música vai ser sempre subjugada, enquanto homens com o mesmo ou menos talento vão encontrar lugar para si. Não é suficiente que uma mulher escolha ser compositora, regente ou toque um instrumento que tenha sido tocado exclusivamente por homens no passado; ela não consegue evitar de ser esmagada em seus esforços – se não diretamente, então pela sutil e incidente exclusão pelos seus colegas machos.

E mesmo assim, algumas conseguem romper com essa barreira. O catálogo Schwann atual lista cerca de 1000 compositores diferentes. Clara Schumann ou a Elizabeth J. de la Guerre do Período Romântico são as representantes solitárias das mulheres compositoras do passado. Mas, olhando pelo lado positivo, cerca de 75 porcento da lista de mais de 1000 compositores são do tempo presente e 24 deles são mulheres. Essa estatística aproximada aponta duas tendências felizes: 1) que compositoras do nosso tempo não são mais ignoradas, e 2) que as mulheres podem estar emergindo da subjugação musical. (É significativo que na biografia de Schumann que eu li, Clara é sempre mencionada como pianista, não como compositora e é citada por ter dito ‘Eu dei a minha vida pelo Robert’ )

A primeira das duas tendências está se desenvolvendo apesar mesmo da maioria dos performers não incluírem música contemporânea nos seus repertórios e de raramente professores particulares encorajarem seus estudantes a experimentar músicas novas ou mesmo a se familiarizar com seus compositores locais. Agências como as fundações Rockefeller e Ford nos ajudaram a estabelecer centros para música nova em universidades por todo o país e organizações independentes como o Once Group de Ann Arbour e o San Francisco Tape Music Center promovem programas intensos de música nova desde os anos 60. Esforços isolados individuais pelo país têm criado gradualmente uma rede ativa de música nova.

Por fim, as agonizantes organizações sinfônicas e de ópera precisam acordar para o fato de que a música do nosso tempo é necessária para angariar a audiência das pessoas com menos de 30 anos. A mídia de massa, a rádio, a TV e a imprensa, poderiam ter grande influência no encorajamento da música Americana acabando com a competição entre a música do passado e a do presente.

Muitos dos compositores de hoje não estão interessados nos critérios aplicados às críticas aos seus trabalhos e cabe aos críticos identificar novos critérios indo até os compositores. Com mais performances de novos trabalhos, nos quais os compositores estejam presentes, e com a maior mobilidade da nossa sociedade, os críticos têm uma oportunidade única – e um dever – de conversar diretamente com os compositores. Já que os performers são frequentemente irresponsáveis com novos trabalhos por desrespeito ou falta de modelos estabelecidos, trabalhos com os quais os críticos estejam familiarizados tendem a escapar de erros de um mal julgamento mordaz devido à má performance. O crítico ideal poderia não só interpretar tecnicamente e encorajar uma atmosfera que seja simpática ao fenômeno da nova música, mas também apresentar o compositor como uma pessoa real e legítima para as audiências. Certamente, nenhum “grande” compositor, especialmente uma mulher, tem a chance de emergir numa sociedade que acredita que toda “grande” música foi escrita por aqueles que já partiram faz tempo.

A segunda tendência, é claro, é dependente da primeira por causa da privação cultural da mulher no passado. Críticos causam um grande nível de dano tentando descobrir “grandezas”. Não importa que nem todos compositores sejam grandes compositores; importa que suas atividades sejam incentivadas para toda a população, que nós nos comuniquemos uns com os outros de maneiras não destrutivas. Mulheres compositoras são frequentemente tratadas como talentos menores ou mais leves baseado em críticas a um trabalho único por críticos que nunca procuraram examinar suas partituras e nem esperaram desenvolvimentos futuros.

Os homens não precisam cometer suicídio sexual para incentivar suas irmãs na música. Já que eles estiveram no topo por tanto tempo, eles podem procurar pelas mulheres e encorajá-las em todos os campos profissionais. Bibliotecas de músicas de mulheres devem ser estabelecidas. As mulheres precisam saber o que elas podem alcançar. Críticos podem parar de serem fofos e começarem a estudar as partituras. (A Federação Nacional de Clubes Musicais preparou um Diretório de Compositoras Mulheres. Ele pode ser obtido escrevendo para Julia Smith, 1105 West Meulberry Street, Denton, Texas 76201. Uma discografia completa de música gravada por compositoras como listado no catálogo Schwan acompanha este artigo.)

Próximo ao começo do século, Nikola Tesla, engenheiro elétrico e inventor da corrente alternada, previu que as mulheres iriam um dia liberar seus enormes potenciais criativos e por um certo tempo iriam se sobressair aos homens em todos os campos por estarem tanto tempo adormecidas. Certamente os maiores problemas da sociedade não vão ser solucionados até que uma atmosfera igualitária que utilize as totais energias criativas roubadas que existem entre todos homens e mulheres.

Trabalhos de Mulheres Compositoras: Em Discos (em 1970)       

Ballou, Esther Williamson – Prelude and Allegro(1965). Adler, Vienna Orchestra CRI 115.

Bauer, Marion – Suite for Strings (1940): Prelude and fugue (1948). Adler, Vienna Orchestra CRI 101.

Beach. Mrs. H.H.A.– Improvisations for Piano. Rogers. Dorian 1006.

Boulanger, Lili – Music of Lili Boluanger. Markevitch, Orchestre Lamoureux. Everest 3059.

Crawford (Seeger), Ruth – Quartet (1931) Amati Quartet. Columbia CMS-6142.

  • Study in Mixed Accents; Nine Preludes for Piano (1926). Bloch. CRI S-247.
  • Suite for Wind Quintet. Lark Quintet. CRI S-249.

Daniels, Mabel – Deep Forest (1931). Strickland, Tokyo Imperial Philharmonic, CRl 145.

Diemer, Emma Lou – Toccata for Flute Chorus. Armstrong Flute Ensemble. Golden Crest S·4088

Dillon, Fannie Charles – From the Chinese. Andrews. Dorian 1014.

Dworkin, Judith – Maurice ( 1955). Randolph Singers. CRI 1020.

Fine, Vivian – Alcestis (Ballet Music) (1960). Strickland, Tokyo Imperial Philharmonic. CRI 145.

  • Concertante for Piano and Orchestra ( 1944). Honstro. Watanabe. Japan Philharmonic. CRI 135.
  • Sinfonia and Fugato for Piano (1963). Helos. RCA LSC-7042.

Gideon, Miriam – How Goodly Are Thy Tents (Psalm 84) (1947). Weisgall, Chizuk Amuno Congregation Choral Society of Baltimore. Westminster 9634.

  • Lyric Pieces for Strings (1941). Strickland. Tokyo Imperial Philharmonic. CRI 170.
  • Suite No. 3 for Piano (1963). Helps. RCA LSC-7042.
  • Symphonia Brevis (1953). Monod. Zurich Radio Orchestra CRI 128.

Glanville-Hicks, Peggy – Nausicaa (Selections) (1961). Stratas, Modenos, Ruhl. Steffan. Surinach, Athens Symphony Orchestra. CRI 175.

  • Sonata for Harp ( 1953). Zabaleta. Counterpoint/ Esoteric 5523 .
  • Transposed Heads (1953). Nossman, Harlan, Picket, Bombard. Kentucky Opera Association, Louisville Orchestra. Two Discs, Louisville 545·6.

Howe, Mary – Castellana for Two Pianos and Orchestra (1935). Dougherty. Ruzicka, Strickland, Vienna Orchestra.CRI 124.

  • Spring Pastoral (1936). Strickland. Tokyo Imperial Philharmonic:. CRI 14
  • Stars (1937); Sand ( 1928). Strickland, Orchestra. CRI 103.

Ivey, Jean Eichelberger – Pinball (1965). Electronic. Folkways 33436.

Jolas, Betsy – Quatuor II. Mesplé, French Trio. Angel S-26655.

La Guerre, Elisabeth J. De – Harpsichord Pieces. Dart. Oiseau·Lyre 50183.

Lutyens, Elisabeth – Moret, Op. 27. Aldis Chorale. Argo 5426.

  • Quartet. Op. 25 (1952): Wind Quintet: Five Bagatelles. Dartington Quartet, Leonardo Wind Quintet. Argo 5425.
  • Quicunx, Manning, Howells, Procter, Nendick, Shirley-Quirk. BBC Symphony. Argo ZRG-622.

Maconchy, Elisabeth – Quartet No. 5 (1948). Allegri Quartet, Argo (5329).

Mamlok, Ursula – Variations for Solo Flute. Baron. CRI 212.

Oliveros, Pauline – Outline, for flute, Percussion and String Bass (An Improvisation Chart) (1962). N. and B. Turetsky, George, Nonesuch 7 1237.

  • Sound Patterns (1962). Lucier, Brandeis University Chamber Chorus. Odyssey 32160156.
  • I of IV ( 1966). Electronic. Odyssey 32160160

Perry, Julia – Homunculus C. F., for 10 Percussionists ( 1960). Price, Manhattan Percussion Ensemble CRI S·252.

  • Short Piece for Orchestra (1952). Strickland, Tokyo Imperial Philharmonic. CRI 145.
  • Stubat Mater (1951). Strickland, Japan Philharmonic. CRI 133.

Schumann, Clara – Trio in G minor. Mannes. Gimpel. Silva. Decca 9555.

Smiley, Pril – Eclipse (1967). Electronic. Turnabout 34301.

Talma, Louise – Corona(Holy Sonnets of John Donne). Arks. Dorian Chorus. CRI 187.

Toccata for Orchestra (1944). Strickland, Imperial Tokyo Philharmonic. CRI 145.

Warren, Elinor Remick – Abram in Egypt (1961); Suite for Orchestra (1954). Lewis . Wagner, London Philharmonic, Wagner Chorale, Strickland, Oslo Philharmonic. CRI 172.

White, Ruth – Trumps from the Tarot Cards(1968): Pinions (1968). Electronic. Limelight 86058.

 

*nota de tradução: O título original é “And Don’t call them ‘Lady’ Composers, na tradução optamos por traduzir como ‘mulher’ compositora ao invés de dama, por ser um termo utilizado frequentemente no brasil para ser referir a compositoras de um modo geral, em português existe uma versão feminina para a palavra compositor, compositora, embora as ferramentas de correção automática não reconheçam, equivalente ao termo que Pauline reivindicava, composeress, já palavra dama não tem um sentido semelhante ao empregado em inglês para a palavra Lady.

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