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GE (sessão de escuta) – Jacqueline Nova, Graciela Paraskevaídis e Jocy de Oliveira

No quarto encontro do nosso grupo, fui encarregada de apresentar 3 compositoras latino-americanas. Isto se deveu à minha familiaridade com o assunto, já que minha tese de Doutorado enfocou a música latino-americana do século XX. As três compositoras em questão foram praticamente pioneiras na música experimental e contemporânea do nosso continente, dado que participaram das primeiras experiências com equipamentos eletrônicos, uso de múltiplas mídias simultaneamente, incorporação de ruídos, silêncios e acasos em suas composições. Um importante laboratório para estes experimentos foi o Centro Latinoamericano de Altos Estudios Musicales (CLAEM), instalado no Instituto Torcuato Di Tella em Buenos Aires, em meados de 1962. Seu diretor era o conhecido compositor argentino Alberto Ginastera. Por este estabelecimento passaram duas das compositoras apresentadas neste evento.

Jaqueline Nova nasceu na Bélgica, em 1935, e faleceu na Colômbia, em 1975. Filha de mãe belga e pai colombiano, Nova mudou-se para Bucaramanga (CO) ainda na primeira infância. Iniciou sua educação musical aos sete anos, tendo aulas particulares de piano. Aos vinte anos passou a morar e estudar piano em Bogotá, ingressando no Conservatório da Universidade Nacional. Lá inicia a carreira de composição, sob orientação de Fabio González Zuleta. Foi a primeira compositora a se graduar neste estabelecimento.

De acordo com Ana María Romano (1), Jaqueline Nova demonstrou, em suas composições, o fascínio que sentia pelo momento presente e o desejo de romper com o que chamou de “glórias ou nostalgias ligadas à ideia de que tudo fora melhor nos tempos passados”. Para manter-se conectada ao momento presente, sentia necessidade de inserir à sua criação artística a tecnologia que havia disponível.

Nova rompeu com vários tabus nos idos de 1960-70. A escolha da composição por si só já representava uma ousadia para uma mulher da burguesia tradicional colombiana, às quais era mais conveniente o estudo do piano. O uso de novas tecnologias e de sonoridades pouco convencionais vêm assomar-se a este universo, respondendo a reflexões e questionamentos de ordem pessoal da compositora. Romano circunscreve estas descobertas no que chama de 1º momento da trajetória composicional de Jaqueline Nova, entre 1965 e 67.

O 2º período apontado por Romano (1) é justamente o que a compositora passa como bolsista no CLAEM, em Buenos Aires (AR), entre 1967 e 68. Lá Nova faz suas primeiras experiências em música eletroacústica, tendo à sua disposição um laboratório equipado com aparelhos de última geração. Estes recursos não eram possíveis na Colômbia de então. Desde este período a compositora passará a criar uma música mista, que dialoga com a tradição acústica e com a mídia eletrônica. Isto, aliado a posturas de natureza pessoal, a isolará ainda mais do ambiente musical colombiano, bastante conservador naquela época. A peça Oposición-fusión, para sons eletrônicos em fita gravada, marca esse período.

O 3º período criativo de Nova, entre 1969 e 75, caracteriza-se por sua volta à Colômbia e pela militância pela música experimental e contemporânea. Compõe o ciclo “Asimetrías” e ministra palestras-concerto, como “La música eletrônica”, em Bogotá e Medellín. Utiliza a experimentação como parte do exercício criativo, e justifica seu interesse na mesma pela semelhança entre as mudanças ocorridas na música e na vida humana. Emprega o ruído como material sonoro entre os demais. Desta época é a peça Creación de la tierra, para voz processada e fita gravada. Como material, Nova usa um texto original da comunidade colombiana de Boyacá, que trata da criação da Terra.

Jaqueline Nova morreu de câncer nos ossos, em 1975. Sua música integra elementos e técnicas como serialismo, aleatoriedade, músicas indígenas e música popular, além de utilizar meios eletrônicos juntamente com instrumentos da orquestra tradicional.

Graciela Paraskevaídis nasceu em Buenos Aires (AR), em 1940. Estudou no Conservatório Nacional de Música de Buenos Aires, seguindo como bolsista no CLAEM. Fêz intercâmbio em Freiburg, como bolsista do DAAD – Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico. Em sua biografia, Paraskevaídis cita o estímulo à composição e as importantes orientações recebidas de Roberto García Morillo, Iannis Xenakis e Gerardo Gandini, bem como o exemplo ético de Edgar Varèse, Silvestre Revueltas y Luigi Nono. Paraskevaídis atua também no âmbito acadêmico, fazendo pesquisa, lecionando e publicando artigos sobre a música contemporânea. É responsável pelo site Magma, onde disponibiliza partituras, textos, e dados de sua carreira profissional e pelo Latinoamerica-musica.net, dedicado à música da América Latina, no qual a compositora publica textos de sua autoria e de outros importantes compositores, professores e pesquisadores da música latino-americana. Paraskevaídis reside em Montevidéu (UY).

Sobre sua obra, Cergio Prudencio (BO) disse basear-se no uso do som como textura, concebendo o tempo espacial oposto a qualquer discursividade. O compositor aponta ainda a austeridade de material, podendo partir de um acorde, um cluster ou outro elemento de caráter interválico ou timbrístico; a estrutura contida, onde os materiais não fluem nem se repetem; a dinâmica sensível, cujo manejo convoca o ouvinte a se comprometer com a peça; e o uso de técnicas eletroacústicas.

Escutas sugeridas:

Jocy de Oliveira nasceu em Curitiba (BR), em 1936. Teve entre seus professores de piano José Kliass, no Brasil, e Marguerite Long, em Paris. Como compositora, utiliza diferentes técnicas concomitantemente, como instalações, textos, vídeos, teatro e, logicamente, música. Compôs, dirigiu, e roteirizou seis óperas, apresentadas em países como Brasil, Alemanha e EUA. É autora e intérprete de 22 discos, além de ter gravado a obra pianística de Olivier Messiaen. Foi agraciada com a dedicatória de várias composições, como as de Claudio Santoro, Luciano Berio, John Cage e Iannis Xenakis. Recebeu prêmios de associações como Fundação Vitae, RioArte, Guggenheim Foundation, New York Council on the Arts, Rockfeller Foundation, entre outras.

Jocy de Oliveira fala um pouco sobre seu trabalho no clipe Imersão. Nesta retrospectiva, ela descreve uma obra em constante transformação, mas com alguns pontos que perduram, como, por exemplo, o acaso. Outros elementos que usa com frequência são a tecnologia e o teatro. Cria óperas, entre outros, para dar uma dimensão visual à sua música, pois acredita que o público está mais acostumado a ver do que a ouvir.

Escutas sugeridas:

Referências

Encarte da coleção de CDs Coletânea de música eletroacústica brasileira. Curador Jorge Antunes. Textos Luís Roberto Pinheiro e Jorge Antunes.

PRUDÊNCIO, C. Sobre Graciela Paraskevaídis. Disponível em: www.gp-magma.net/es_testimonio.html#So

ROMANO, A. M. Jaqueline Nova y el maravilloso mundo del ruído. Disponivel em: http://www.revistaarcadia.com/impresa/especial-chicas-afuera/articulo/jacqueline-nova-maravilloso-mundo-del-ruido/32439

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GE (sessão de escuta) – Maja Ratkje

No primeiro encontro do grupo mulheres na música contemporânea e experimental (esse foi o primeiro nome do grupo), fizemos um levantamento de temas, desejos e vontades que cada participante tinha em relação às ações do grupo e decidimos começar com um grupo de estudos para conhecermos mais trabalhos de compositoras, artistas sonoras e criadoras.

Nesse encontro realizamos o primeiro grupo de estudos com sessões de escuta de alguns trabalhos sonoros criados por mulheres. A  ideia foi pedir para cada participante do grupo selecionar e apresentar três artistas. Essa seria nossa primeira ação na busca por conhecer e divulgar os trabalhos. O critério de escolha estava a cargo de cada pessoa nesse primeiro momento, sem recorte pré-estabelecido pelo grupo.

Eu fiquei encarregada por fazer a apresentação na primeira sessão do grupo de estudos e escolhi três referências de gerações e trabalhos bastante diferentes. O critério foi passar por artistas que não pertencem à um campo único de criação e atuação, bem como buscar uma diversidade de nacionalidades e faixas etárias.

As selecionadas foram:

  • Maja Ratkje, compositora norueguesa;
  • Pharmakon (Margareth Chardiet), artista da cena noise nova-iorquina;
  • Janet Cardiff, artista sonora canadense.

O encontro acabou se estendendo e decidimos escutar apenas o trabalho da Maja Ratkje e deixar a Pharmakon e a Janet Cardiff para o próximo encontro.

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Maja Solveig Kjelstrup Ratkje (1973 -) é compositora e performer norueguesa. Tem trabalhos para orquestra, instalações sonoras, música eletroacústica, teatro, dança e grupos menores em que participa como criadora e improvisadora. Maja é membro do grupo norueguês de improvisação feminino SPUNK. Trabalha muito com voz, canto e vocalizações e tem uma relação muito interessante com o ruído. Tem uma voz que transita entre a doçura, o encanto e agressividade, o ruído.

Em uma entrevista sobre música e ruído, Aaron Cassidy e Aaron Einbond fizeram duas perguntas simples: O que é músia-ruído pra você e por que você a faz? Maja respondeu assim:

“Música-ruído é libertadora, celebra a vida e é exigente. Em sua melhor forma, é multi dimensional, é ao mesmo tempo sombra e luz, e a sua própria maneira, é bonita. Eu faço por causa de tudo o que disse antes. E porque eu sinto que o ruído real hoje é a cultura popular rasa, o marketing cheio de mensagens alto-complacentes que eu não posso contornar, não importa para onde eu vá na civilização. A razão principal de eu fazer ruído é o otimismo sincero que eu sinto nessa expressão, como se a música-ruído contivesse muito mais aspectos da vida do que a música com “mensagem” sincera.” (no livro Noise in and as Music, editado por Cassidy e Eibond, 2013, p. 55)

maja_voice

Lys_SPUNK

 

Para essa apresentação, eu escolhi tratar de dois projetos diferentes dela. O trabalho solo de voz e eletrônica e o grupo de improvisação SPUNK, grupo norueguês de improvisação que conta com quatro musicistas Kristin Andersen (trompete e flauta doce), Lene Grenager (violoncelo), Maja Solveig Kjelstrup Ratkje (voz e eletrônica) e Hild Sofie Tafjord (trompa)O grupo existe desde 1995 e desenvolve trabalhos que pensam as relações com os espaços públicos e privados, como no caso de LYS (luz).  LYS é uma interação entre o ambiente do  museu Henie Onstad Art Centre na noruega e as musicistas que, durante um período de tempo, se apropriam do espaço. Spunk interpreta o prédio e o entorno daquele ambiente, focando nas qualidades espaciais que a luz vai adquirindo para criarem suas intervenções sonoras.

O projeto  de voz solo de Maja foi o que mais me chamou atenção, especialmente pela maneira como ela pensa a voz. Para ela, “conceber a voz como um veículo genérico para palavras, alturas e durações é negligenciar dimensões vocais e sonoras essenciais e que não são percebidas naturalmente” (site pessoal). Abaixo mostro alguns exemplos desse trabalho vocal.

 

Disco Voice – Primeiro solo de Maja Ratkje lançado em 2002.

 

Breathe, 2008Música feita para uma instalação ao ar livre, pra ser escutada com fones de ouvido.

 

Wintergarden, 2005Filme de Daria Martin, música de Maja Ratkje

 

Trailer do filme Voice: sculpting sound with Maja S K Ratkje

 

Referências

ratkje.no

Cassidy, Aaron; Eibond, Aaron (Ed.) Noise in and as Music. 2013.